A jarra plástica em formato de abacaxi está sob a mesa.
Era apenas um almoço de família, algo rotineiro.
As batatas no forno e uma comida requentada nas panelas já com deformidades de uso.
Apenas um dia comum.
Três pratos na mesa e o aroma no ar.
O fogo ferve o feijão que borbulha.
O fogo frita o arroz de ontem.
Ninguém mexe.
Era apenas um dia comum.
Os pássaros não cantam lá fora.
A jarra escorre o que antes era gelado.
O fogo ferve o feijão e queima o arroz.
Ninguém mexe.
Mas o aroma está na casa, entre o gostoso e o queimado.
A cozinha começa a transpirar as paredes.
A toalha começa a molhar pelo suor da jarra.
O feijão, a batata e o arroz queimam.
É só um dia comum.
Ninguém mexe.
O aroma de queimado invade a casa.
Uma pessoa entra no cômodo.
“Puta que pariu, três pessoas nessa casa e ninguém tem a pachorra de olhar o fogo pra mim um minuto sequer!”
O conto que você descreveu, com sua simplicidade e cotidianidade, nos convida a uma profunda reflexão sobre a natureza humana e nossa relação com o tempo. A imagem do fogo, que inicialmente aquece e nutre, mas que depois se transforma em destruição, é uma poderosa metáfora para a vida.
A rotina, representada pela repetição dos atos de cozinhar, é como uma chama que tanto ilumina quanto consome. Ela nos proporciona segurança e conforto, mas também pode aprisionar-nos em um ciclo interminável de tarefas e obrigações. A jarra de abacaxi, as panelas deformadas e o cheiro de queimado são símbolos dessa rotina que, por vezes, se torna monótona e opressora.
A explosão de frustração no final do conto revela a tensão entre o individual e o coletivo, entre a necessidade de ser visto e reconhecido e a passividade diante da rotina. A pergunta que fica é: até que ponto estamos dispostos a permitir que a rotina apague nossa individualidade e nossa capacidade de agir?