Shopping

Um domingo à tarde no shopping center é puro nervosismo.

Se pudesse lhe dar um conselho, não vá.

Rômulo pensa da mesma maneira.

Preferiria estar na mira de um rifle, com certeza.

Mesmo com o mapa das lojas em seu celular, não consegue encontrar o estabelecimento que deseja, um enorme labirinto.

Um segurança o ensina como chegar.

O caminho é conhecido, já passou por ali e não prestou atenção.

Olha o manequim e se assusta com o valor da etiqueta, quase entrando em colapso.

Rômulo sente-se um marciano em público, fica completamente desconfortável.

Observa um casal tentando dar conta de seus filhos, os empurrando para que eles não fiquem para trás, realizando um contato digno de judô.

Um sinal do quão insalubre é aquele lugar.

Mas está ali por um motivo, não se colocaria nessa situação masoquista por prazer.

O funeral acontecerá amanhã e Rômulo precisa de uma roupa decente.

A burocracia pós morte é cara e dolorosa.

A vida se vai e vira inúmeros documentos que não se podem apagar com borracha.

A falta de dinheiro é tanta que teve que pedir o caixão de madeira para um amigo carpinteiro. Ele até ficou honrado em forjá-lo, mas não era o que Rômulo gostaria, já que teve que adiar o velório para dar tempo para a fabricação.

E pensar que até ontem ele estava saudável.

A vida é realmente fugaz, se evapora sem pronunciamento, uma grande roleta de cassino.

Desiste de comprar uma boa roupa.

“Vou gastar esse dinheiro com as velas orientais”, pensou.

O movimento desse lugar faz Rômulo desejar um cigarro a sós.

Mais uma batalha até achar a saída mais próxima desse curral humano.

O dia está murcho e o céu feio. Os balões sobrevoando o local parecem uma miragem.

Jovens com seus poucos quilos conversam de forma efusiva no mesmo trecho de onde fuma.

A parceria daqueles garotos deu nostalgia em Rômulo.

Logo ele que não conseguiu preservar suas amizades de longa data.

A reflexão o faz enxergar o quão quebrado está. Completamente preso em seu cativeiro pessoal, lidando face a face com uma enorme bateria de problemas, tentando procurar soluções ou fugir dessa pequena membrana que separa a vida da morte.

Retira uma pequena garrafa do bolso e toma um longo gole de licor, abrindo espaço para mais uma sequência de cigarros.

Tenta desvencilhar-se dos problemas, mas sua cabeça trabalha num ritmo alucinante.

Pensa nas palavras que usará no recital, se terá verniz no cachão, se o prefeito estará presente, se a bandeira que será hasteada terá borla, se os cardeais comparecerão, se o velório terá o selo de importância que seu pai merecia.

Seria tão mais fácil se ele despertasse da doença, se a vitória viesse a galope e vencesse a fratura, se a grelha fosse de comemoração e não de suplício.

Toma mais um gole da bebida tentando se preservar do fluxo dos pensamentos que insistem em estar presentes.

Um marinheiro condecorado como embaixador que tinha o sonho de ser astronauta, que preferia bicicleta a um navio, que escolheria Cuba ao invés dos Estados Unidos, apaixonado pelo sabor da melancia, do espaguete e do ensopado de caranguejos, tão maduro e tão doce com a família, mas com hormônios de colisão e nervos de dinamite quando se tratava da sua profissão, de piratas e de mercenários.

Uma tonelada de lembranças que servem de escudo para a ausência agora eterna.

Pede um carro num aplicativo digital para o hotel que está hospedado, não conseguiu ficar na casa do pai.

As fotos, a pia onde fazia a barba diariamente, a coleção de camisas havaianas com paletas esquisitas e estampas de cocos que nunca fizeram sentido.

Uma ilha de lembranças que está gerando uma grande porcentagem de tristeza e pena pela natureza da circunstância.

O celular vibra na medida que o automóvel solicitado se aproxima.

A motorista, uma menina perante os olhos de Rômulo, encosta o carro para o embarque.

“Algum caminho de preferência, senhor?”.

Rômulo termina a pequena garrafa em um só gole.

“Aquele que possa me tirar desse lugar o mais rápido possível”.

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